segunda-feira, 20 de janeiro de 2014


Deseje ardentemente o poder.

 ...E o poder pelo qual o discípulo anseia é aquele que, aos olhos dos homens, o fará parecer um nada.

 Estaremos entrando cada vez mais em contradições. A linguagem da religião é, obrigatoriamente, contraditória. Aparentemente, isso parece irracional. De certo modo, a religião é irracional, pois vai além da razão, transcende a razão. 

Este sutra diz: Deseje ardentemente o poder - mas aquele poder que o torna um nada. Você se torna inexistente.

Desejamos o poder a fim de nos tornarmos alguma coisa. O poder que a riqueza pode oferecer, o poder que a política pode fornecer, o poder que o prestígio pode fornecer. Desejamos o poder para sermos alguma coisa, e esse sutra diz: Deseje ardentemente o poder - mas aquele poder que o tornará ninguém, nada.

Há dois tipos de poder. Primeiro, aquele poder que você pode acumular a partir dos outros - aquele poder que lhe pode ser dado pelos outros ou que você pode tomar dos outros. Ele depende dos outros. O poder que depende dos outros fará com que você se torne alguém aos olhos dos outros. Você permanecerá o mesmo de antes mas, aos olhos dos outros, tornar-se-á alguém. Esse “ser alguém” é uma pretensão do ego. E o ego é a barreira.

Deseje esse poder - o do segundo tipo - que lhe faz sentir-se ninguém. É difícil sentir que “eu sou ninguém”. Todo mundo pensa que é alguém, quer os outros concordem ou não. Todo mundo pensa que é alguém! Isso é ser comum; toda mente comum pensa que é alguém. No momento em que você compreender que é ninguém, tornar-se-á extraordinário, raro, uma flor única, incomparável. O sentimento de ser ninguém cria um espaço dentro de você. O ego se dissolve, seu falso centro deixa de existir. Você se torna espaçoso. Agora, o eterno pode entrar em você. Esse espaço, esse vazio, pode permitir que a existência floresça em você.

Você está repleto desse sentimento de ser alguém. Você é isto, você é aquilo. A mente é tão astuta que você pode até mesmo tornar o ser ninguém em algo importante. Vou contar-lhes uma pequena estória.

Um imperador maometano, estava rezando numa mesquita, num dia santificado. Ele estava orando ao seu deus e dizia: “Eu não sou ninguém. Sou nada. Tenha piedade de mim”.

Então, subitamente, ele ouviu um mendigo que também estava rezando próximo a ele. O mendigo também dizia: “Eu sou ninguém. Tenha piedade de mim”.

O imperador sentiu-se ofendido! Olhou para o mendigo e disse: “Ouça, quem é você para competir comigo? Quando eu digo, ‘Eu sou ninguém’, quem mais se atreve a dizer ‘Eu sou ninguém’? Quem é você para tentar competir comigo?”.

Até mesmo no estado de “ser ninguém” você pode ser um competidor. Então, o essencial, o ponto principal, é perdido. O imperador não podia tolerar que um outro, diante dele, reivindicasse para si o ser ninguém. Quando ele dizia para Deus que era ninguém, ele não queria dizer que era ninguém. Através do “ser ninguém” ele estava criando o “ser alguém”. Você também pode criar o ego a partir do nada.

Lembre-se de que o ego é poder em relação ao mundo, mas é impotência no que se refere ao divino. Tudo o que parece ser poder no mundo é impotência na dimensão divina. Nessa dimensão, a ausência de poder é poder. Jesus sempre dizia a seus discípulos: “Seja pobre de espírito.” Não apenas pobre, pois você pode ser pobre sem ser pobre de riqueza. Se você tiver um sentimento egoístico em relação à pobreza, então sua pobreza não é pobreza. Ela não é pobreza de espírito.

Por isso, Jesus sempre repetia: “Seja pobre (humilde em seu espírito)”. Do contrário, você pode ser um mendigo na rua, pode ter abandonado tudo, mas então, você se apega a esse fato de ter abandonado tudo; apega-se à sua renúncia. Transforma sua pobreza em riqueza; orgulha-se dela. Olhe para os sannyasins, os monges, os bikus (pedintes). Olhe em seus olhos. Eles possuem um profundo orgulho pelo fato de terem abandonado o mundo, de terem renunciado. Eles renunciaram ao mundo, mas agora sua renúncia tornou-se um crédito bancário. Orgulham-se disso; sentem-se superiores. Quando Jesus diz: “Seja pobre (humilde em seu espírito)” - ele quer dizer: não seja superior a ninguém.

Mas, lembre-se: ele não quer dizer para você ser inferior. Esse é o problema. Ele não quer dizer: seja inferior, porque se você for inferior - se sentir que é inferior - isso será, outra vez, uma superioridade de cabeça pra baixo, nada mais. Superioridade de ponta-cabeça torna-se inferioridade. Se você se sente inferior, a ânsia de ser superior está presente.

Quando Jesus diz: “Seja pobre (humilde em seu espírito)” - ele não quer apenas dizer: não seja superior. Ele quer dizer isso, mas também quer dizer: não seja inferior; seja apenas você mesmo. Não se compare aos outros; fique tranqüilo consigo mesmo.

Então, você será ninguém, porque para ser alguém é necessário comparação. Como você pode ser alguém se não há comparação: Você é mais bonito, nunca é simplesmente bonito. Você jamais pode ser simplesmente bonito; é sempre bonito em comparação a algum outro. Você é rico em comparação a algum outro, é mais inteligente em comparação a algum outro. A superioridade e a inferioridade são sempre comparações. Você é alguém quando comparado a outros. Se não houver comparação, quem você será? Você não pode ser apenas bonito, pode? Você não pode ser apenas inteligente, pode?

Imagine o seguinte: Você está sozinho na Terra; toda a humanidade desapareceu. O que você será? Inteligente ou tolo? Bonito ou feio? Um homem notável ou apenas um homem comum? O que você será? Sozinho na Terra - toda a humanidade desapareceu - você será apenas você mesmo. Não será capaz de dizer: “Eu sou isto ou aquilo.” Você não será alguém. Você será ninguém.

O verdadeiro sannyas, a verdadeira renúncia significa que você está totalmente sozinho, como se todo o universo, toda a humanidade tivesse desaparecido. Não há possibilidade de comparação. Nesse caso, quem é você? - Um ninguém, um nada! Esse estado de ser ninguém é poder - poder no mundo divino.

Jesus diz: “Aqueles que são os primeiros neste mundo, serão os últimos no reino de Deus, e aqueles que aqui são os últimos, serão os primeiros no reino de Deus.” Aquilo que neste mundo é poder, na jornada divina é ausência de poder e aquilo que neste mundo é a ausência de poder é poder na jornada divina.

Este sutra diz: Deseje ardentemente o poder - mas lembre-se do significado de “poder”. Significa uma ausência de poder. É um sentimento de ser ninguém, de nada, de vazio. E o poder pelo qual o discípulo ansiará é aquele que, aos olhos dos homens, o fará parecer nada.

Deseje fervorosamente a paz.

...A paz que você desejará é aquela paz sagrada que nada pode perturbar e na qual a alma floresce como o faz a flor sagrada nas lagoas calmas.

Deseje fervorosamente a paz. Ninguém deseja a paz. Você vive falando de paz e se iludindo dizendo que a deseja, mas ninguém a deseja - porque quando a paz é desejada, ela acontece, e ela não aconteceu para você.

Ninguém deseja a paz. Mesmo que você diga que deseja a paz, você não a deseja, porque uma das leis supremas afirma: se você deseja a paz, ela acontece. Então, onde está o erro?

Muitas pessoas me procuram. Um estudante me procurou - ele estava indo prestar seu exame final de mestrado. Perguntou-me: “Como posso manter-me em paz? Como posso manter-me calmo? Ajude-me. Desejo a paz. Ando tão inquieto, tão tenso.”

Eu lhe perguntei: “Por que você deseja a paz?”

Ele disse: “Desejo conseguir a melhor nota. O exame será em breve. Sempre obtive as melhores notas, mas este será meu último exame e eu desejo obter a melhor nota. Mas se minha mente está tão tensa, como vou consegui-la? Assim, ajude-me a ficar em paz.”

Veja a contradição! E isso está acontecendo com todo o mundo. Eu disse ao jovem: “Se não houvesse nenhum exame, se você não sentisse nenhum desejo de tirar a melhor nota, se não tivesse nenhuma ambição de ser o melhor da classe, haveria alguma inquietação em seu interior? Sua paz seria perturbada?”.

Ele disse: 'Não'. Não haveria motivo. Não haveria nenhum problema. Eu estaria em paz. Mas agora, o exame está próximo e desejo obter a melhor nota. Assim, ajude-me a ficar em paz.”

A ambição estava destruindo a sua paz. Ele permanecia preso à sua ambição e ao mesmo tempo desejava a paz. A paz não pode estar a serviço da ambição; é impossível, contraditório. A ambição não pode ser pacífica. A ganância de ser bem-sucedido não pode ser pacífica.

Se você desejar a paz, deseje-a por si mesma. Não faça dela um meio para obter algo mais. Ela não pode tornar-se um meio. Quando este sutra diz: Deseje fervorosamente a paz ele se refere à paz como um fim e não como um meio. Ninguém deseja os meios. Os fins é que são desejados e, por causa dos fins, os meios são desejados. Mas a paz não pode jamais ser um meio. Na existência, tudo aquilo que é belo, verdadeiro, bom, profundo, não pode ser transformado num meio. É sempre o fim. 

Mas até mesmo seu deus é desejado como um meio. Ninguém deseja deus por si mesmo; desejamos deus por algum outro propósito. Então, o desejo é falso.

É isso o que quero dizer quando afirmo que ninguém deseja verdadeiramente a paz, a não ser que a deseje por si mesma. Você pode alcançá-la facilmente se desejá-la como um fim. Deseje-a por si mesma e ela acontece, pois no verdadeiro desejo pela paz a ambição se extingue; no verdadeiro desejo pela paz, a ansiedade desaparece; no verdadeiro desejo pela paz, a angústia desaparece. Se você continuar a ser ambicioso - desejando o sucesso, desejando ser isto ou aquilo, ser alguém - então a paz não lhe acontecerá. Você continuará inquieto, dominado pela ansiedade, tenso. Continuará angustiado e nada do que fizer poderá lhe ser de alguma ajuda. Assim, esteja ciente disso. Se você quer a paz, deseje-a diretamente, como um fim. Nesse caso, o próprio desejo pela paz transformará você.

Na verdade, a paz é natural. Não se trata de algo que precise ser desejado. Você, você mesmo, a perturba. Ela já está presente. A paz é natural em você; ela é o seu próprio ser. Você a perturba devido à ambição, à ganância, à raiva, à violência. Ela já está presente, mas você a perturba.

Não a perturbe! Se você a deseja realmente, não a perturbe. E então, você começará a senti-la.

Para se alcançar a paz, é preciso remover tudo aquilo que a está obstruindo. Descubra por que você não está em paz. Por quê? Então, remova a causa. Se a ambição estiver perturbando a paz, livre-se da ambição e a paz acontecerá. A paz já está presente; você não precisa aspirá-la. Torne-se apenas consciente de como você a está perturbando, e não a perturbe; isso é tudo. E ela acontecerá. É por isso que eu digo que quando a paz é realmente desejada, ela acontece imediatamente. Não se precisa esperar nem mesmo um único instante.

Deseje, acima de tudo, posses.

Este sutra parece muito perigoso: Deseje, acima de tudo, posses. Posses? A própria palavra produzirá uma perturbação em sua mente, pois todos os grandes mestres ensinam: não deseje posses. Buda diz: “Seja não-possessivo.” Mahavir diz: “Aparigraha: nenhuma posse.” Jesus diz: “Abandone todas as riquezas, todas as posses”.

Jesus diz: “Até mesmo um camelo pode passar através do orifício de uma agulha, mas um homem rico não pode passar através da porta do reino de meu Deus.” E este sutra diz: Deseje, acima de tudo, posses. Mas o sutra é belo. Ele quer dizer a mesma coisa que Mahavir, Buda e Jesus estão dizendo, mas o diz de uma maneira muito contraditória.

Ele diz que todas aquelas coisas que você considera posses não são posses, porque você não pode possuí-las realmente. Você pode possuir as coisas? Pode possuir os outros? Pode possuir alguma coisa no mundo? Você pode apenas se iludir de que possui alguma coisa. Na verdade, você não pode possuir nada, pois a morte destruirá tudo.

Outra coisa: tudo o que você possui, seja o que for, torna-se o seu possuidor. O possuidor é possuído pelas suas posses. Você se torna um escravo; você não é o senhor. Assim, o que adianta dizer que você possui o mundo? Ninguém possui coisa alguma. Somente uma coisa pode ser possuída: o seu próprio eu. Nada mais pode ser possuído.

Você só pode tornar-se o senhor do seu próprio eu. Se tentar ser o senhor de qualquer outra coisa, será apenas um escravo. Você pode considerar esta escravidão como um “domínio”, pode rotulá-la de “domínio”, mas estará apenas se enganando. Mentiras são mentiras. O fato de se alterar o rótulo não muda nada.

Olhe para as suas posses. Você as possui? Se sua casa for destruída, você chorará, gritará, ficará furioso; mas se você morrer, sua casa não chorará, Não ficará furiosa. Assim, quem era o verdadeiro proprietário? A casa possui você. Ela não está nem um pouco preocupada se você mora nela ou não. Na verdade, ela se sentirá muito melhor se você for embora. Será mais tranqüilo. Ela não depende de você. Você está justamente perturbando a sua paz. Se você morrer, a casa se sentirá ótima. Assim, quem é o possuidor?

Nesse sentido, este sutra é significativo: somente o eu pode ser possuído, nada mais. E se você não pode possuir o seu eu, que mais você pretende possuir?

Assim, seja um senhor - o senhor do seu próprio eu - e não faça nenhum esforço para possuir coisa alguma. Não quero dizer que você deva abandonar todas as coisas. Essa não é a questão. Use todas as coisas, mas não pense em termos de posse. Use a casa, mas não seja o proprietário. Use a riqueza, mas não seja o dono dela. Use o mundo todo, mas não pense que você o possui. Você é apenas um viajante de passagem. Quando cansado, você descansa sob uma árvore. Mas você não possui a árvore. E se você não a possuir, sentirá uma profunda gratidão pela árvore. Ao anoitecer, quando estiver de partida, você a agradecerá. Sentir-se-á agradecido porque, quando estava cansado e a estrada estava quente, a árvore deu-lhe abrigo; a árvore estava fresca. Mas não procure possuir a árvore, pois assim, você não se sentirá agradecido.

Quando você possui, não sente gratidão. Não possua a sua esposa, não possua o seu marido. Quando estiver cansado, sua esposa lhe dará amor. Sinta-se grato.

E se você não possuir a sua esposa, não será possuído por ela. O relacionamento só acontece quando não há posse. Se há posse, há sempre conflito. Maridos e esposas estão sempre brigando; você não encontrará inimigos mais profundamente envolvidos. Eles são inimigos íntimos; vivem juntos apenas para brigar um com o outro. Todo o relacionamento fica envenenado porque o marido tenta possuir a esposa e a esposa tenta possuir o marido, mas ninguém pode possuir ninguém; a posse é impossível. Você pode apenas possuir a si mesmo; somente isso é possível, tudo o mais é impossível. Mas quando se tenta possuir e fazer o impossível, tudo vai mal; o relacionamento fica envenenado. A vida torna-se uma miséria.

Deseje, acima de tudo, posses.

Mas essas posses devem pertencer somente à alma pura e, portanto, serem igualmente possuídas por todas as almas puras, sendo, dessa maneira, propriedade especial do todo, apenas quando unido. Deseje essas posses que podem ser possuídas pela alma pura, e você acumulará riqueza para aquele espírito unido de vida que é o seu único eu verdadeiro.

OSHO

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